Contactos

Rua José Lopes de Figueiredo
3060-503 Pocariça
Cantanhede
Tel.: +351 231 42 08 71
E-mail: AMPocarica@gmail.com

Facebook

Torne-se associado

Arquivo notícias

Pagamento de quotas

Centenário

Comemorações do Centenário

Centenário Associação Musical Pocariça – Amílcar Morais ♫ Marcha

Breve “mergulho” na Pocariça de 1914/1915.

Intervenção doPresidente da Assembleia aquando da comemoração do 99º Aniversário da Associação Musical da Pocariça.
José João Lucas, Pocariça, 5 de janeiro de 2014:

IntervencaoJoseJoao

Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Cantanhede,
Ex.mo Senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Cantanhede,
Ex.ma Senhora Presidente da Junta da União de Freguesias de Cantanhede e Pocariça,
Ex.mos Senhores Presidente da Direção e Comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cantanhede
Ex.mo Senhor vice-presidente da Federação das Filarmónicas do Distrito de Coimbra
Ex.mos Senhores representantes das Bandas Filarmónicas e de outras entidades nossas parceiras e amigas
Ex.mo Senhor representante da Direção da Adega Cooperativa de Cantanhede
Ex.mos Senhores e Senhoras Convidados
Ex.mos Senhores e Senhoras membros dos Corpos Sociais da Associação Musical da Pocariça,
Ex.mo Senhor Maestro Pedro Tavares
Caríssimos e caríssimas artistas da nossa Banda Filarmónica, da Escola de Música e do Grupo de Teatro ‘Arte e Cultura’,
Ex.mos Senhores e Senhoras antigos músicos e músicas que por aqui passaram,
Ex.mos Senhores e Senhoras familiares duns e doutros,
Prezados e prezadas Pocaricenses e outros amigos que hoje quiseram estar aqui connosco,

É com uma enorme alegria que me dirijo a todos vós enquanto presidente da Assembleia Geral da nossa coletividade, a Associação Musical da Pocariça. No passado dia 1, completaram-se 99 anos da estreia oficial, na Pocariça, da nossa Banda Filarmónica. Vamos, pois, nos cem anos. Por isso, decidimos comemorar o nosso centenário a partir de agora, estendendo o programa das comemorações até janeiro do próximo ano.

Peço-vos uma pouco de paciência para um breve “mergulho” na Pocariça de 1914/1915.

Foi a 1 de Janeiro de 1915, que se preparou, na Pocariça, uma grande festa de apresentação da então designada Associação Musical e Recreativa da Pocariça. Pena foi que a chuva e o temporal tivessem impedido de cumprir por completo o programa que estava previsto. Contudo, houve arruada com muitos aplausos da população, missa cantada e bênção da bandeira, que fora confecionada por um grupo de pessoas da terra, entre as quais sobressaía o senhor Dr. Jorge da Cruz Jorge e a pintora senhora D. Amélia Carneiro, que, sendo originária do Porto, aqui viveu durante vários anos. À tarde, houve uma sessão solene, em que intervieram o presidente da mesa que presidiu à cerimónia, senhor Manuel Evaristo Pessoa – um dos impulsionadores da criação da nossa filarmónica e doador do espaço em que estamos agora – o presidente da direção, senhor Dr. Manuel Magalhães Pessoa, o senhor Dr. Jorge da Cruz Jorge e o pároco da Pocariça senhor P.e Angelino Marques Craveiro, futuro arcipreste de Cantanhede. Entretanto, a Banda executou o hino da Associação, composto pelo senhor Joaquim José de Almeida e que viria a ser reconstituído em 1951 pelo maestro Augusto Gomes de Azevedo, que aqui veio fixar residência com a família.

Mas, se foi nessa data que a nossa banda se apresentou formalmente ao público da Pocariça, os jornais da época relatam que, no ano anterior, já tinham começado as ‘movimentações’. Destaco três momentos importantes: o ‘Ecos de Cantanhede’, jornal patrocinado pelo senhor Dr. Manuel Pessoa, nosso conterrâneo, refere, no seu número 2, de 3 de maio de 1914, que um grupo de trinta e tantos rapazes se agruparam para se dedicarem ‘ao estudo e cultivo da música’. Salienta como seu animador o senhor Evaristo Mendes da Fonseca, também ele músico e violinista, que tinha integrado a Tuna de Cordas da Sociedade Dramática Pocaricense 14 de julho, constituída uns anos antes. Estávamos, então, em abril de 1914.

O mesmo jornal, no seu n.º 13, de 19 de julho do mesmo ano, refere, sob o título de ‘Banda da Pocariça’: “Chegou o instrumental, que é do melhor, para a nova banda que se está organizando na Pocariça. Sabemos que os rapazes teem magnifica embocadura e revelam habilidade, sendo por isso de crer que dentro de muito pouco tempo eles constituam um todo harmónico e se possam fazer ouvir com agrado de todos os seus conterrâneos.” Por essa altura, o jornal ‘Defeza de Mira’ relata, com muita graça, a cena de abertura das embalagens em que vinham os instrumentos musicais, expedidos de Lisboa, a qual era presenciada por algumas pessoas que batiam palmas, sempre que um deles era desembrulhado e mostrado. Temos notícia de que o senhor Francisco Ribeiro da Fonseca emprestou, sem juros, o dinheiro necessário para a aquisição desses instrumentos.

Um terceiro momento ocorre em 15 de novembro desse ano e é assim relatado por ‘O Ançanense’, no seu nº 28, de 21 de novembro de 1914, que escreve, sob o título de ‘Estreia Musical’: “A nova filarmónica sahiu no ultimo domingo de tarde pela primeira vez a publico, sendo entusiasticamente saudada pelo povo da freguesia”. Tratou-se não ainda duma apresentação formal, mas antes dum ensaio geral, em que os músicos desceram das Arrôtas até á Pocariça, fazendo, nos dizeres do jornal ‘Defeza de Mira’, “exercícios de música e de marcha e de combinação da música com o andamento.“ Logo a seguir refere este jornal do concelho vizinho: “Acompanhou-a sempre grande multidão que, enthusiamada, admirou os notáveis progressos que a filarmónica tem feito, devido ao zelo e actividade do seu professor e a grande habilidade dos executantes.” O mestre era António Rodrigues Póvoas, de Mangualde.

Umas semanas depois, como acima disse, em 1 de janeiro de 1915, foi a estreia pública, conforme relata o ‘Ançanense’, n.º 34, de 02 de janeiro de 1915, sob o título ‘Estreia’: Estreiou-se hontem e muito bem a philarmonica da Pocariça que se apresentou com toda a correcção. Parabéns aos iniciadores e ao mestre”.
Estava, assim, lançada a nossa banda…

Muito significativo do ambiente humano que presidiu à fundação da nossa banda, destaco ainda um acontecimento interessante. No dia 5 de abril de 1915, a Filarmónica da Pocariça, músicos e dirigentes, deslocaram-se a Cantanhede para visitar os jornais e as associações locais. A nossa banda era aguardada no Pinhal de S. João, agora Largo de S. João, pelas duas Filarmónicas de Cantanhede – ‘Boa União’ e ‘Restauração’ – e por muito povo. Deslocaram-se, em conjunto, até ao centro da vila e daí cada uma delas seguiu um percurso diferente. A Filarmónica da Pocariça foi recebida no Grémio da Lavoura, onde o senhor Henrique Barreto, seu presidente da direção e também da Filarmónica ‘Restauração’ e dos Bombeiros Voluntários e ainda diretor do ‘Jornal de Cantanhede’, fez uma intervenção de boas vindas. No seu nº 1347, de 10 de abril de 1915, este jornal assim conta: “[Henrique Barreto] deu as boas vindas aos ilustres hospedes, enalteceu a bela apresentação e garbo dos músicos, explicou que tal visita era d’um grande valor moral pois que ela estreitava mais as antiquissimas relações entre Cantanhede e Pocariça e fez votos ardentes pelas prosperidades da Filarmonica que tão distintamente havia encetado a sua carreira. Foi muito ovacionado. Seguiu-se-lhe no uso da palavra o presidente da Filarmonica da Pocariça, o senhor Dr. Manuel Magalhães Pessoa que com muita elegancia  e em termos persuasivos agradeceu comovido a recepção tão bela, verdadeiramente fidalga que o Gremio e o povo de Cantanhede fizeram aos seus visitantes, disse que sabia que a vila de Cantanhede era hospitaleira mas que ignorava que o era tanto, e por isso o surpreendera e comovera tão entusiástica e fidalga manifestação (…).” Foram, de seguida, visitar as sedes das duas Filarmónicas referidas, os três jornais da vila – ‘Jornal de Cantanhede’, ‘Notícias de Cantanhede’ e ‘Ecos de Cantanhede’ – e a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários. Comentando muito favoravelmente a atuação da nossa banda, continua ainda o referido jornal: “Esse facto honra-a muito e a sua ilustre direção que é formada de cavalheiros inteligentes e cordatos e animados de acendrado amor pela sua terra que já muito se tem sacrificado para que a sua Filarmonica atingisse n’um curto prazo tão elevado grau de cultura, levando-nos isso à convicção de que a Banda da Pocariça há de vir a ser uma banda de primeira ordem.”
Tal convicção do redator da notícia parece ter sido mesmo cumprida.

Convém retermos os nomes deste primeiro coletivo dirigente da nossa Associação referido pelo mesmo jornal: “Os bizarros rapazes de que se compõe a Direcção da Filarmonica da Pocariça são os senhores dr. Manuel Magalhães Pessoa, presidente, Dr. Evaristo Jorge, vice-presidente, Aníbal Ribeiro da Fonseca, secretário, Laurindo Mendes da Fonseca, tesoureiro, e José Francisco Paulo, António Mendes da Fonseca, José Lourenço e Joaquim Lopes da Assunção, vogais.” E conclui: “É d’um elevadissimo valor e extremamente simpático a amizade, a confraternização entre os diversos povos porque ela consola, enobrece e vivifica e porque só ela poderá um dia mudar a face ao mundo estabelecendo a paz e a harmonia na Terra.”

Este voto, creio eu, todos o retomamos, mas, infelizmente, ainda estaremos longe da sua concretização.

Foram estas algumas das marcas iniciais deste movimento artístico que veio a gerar a nossa Associação. Saliento ainda uma outra: o teatro. Música e teatro caminharam juntos, na nossa terra, desde os finais do século XIX, conforme está devidamente documentado. Ainda em abril de 1914, há notícia de que, no Teatro Particular da Pocariça, se fizeram duas récitas com jovens de famílias da Pocariça. Aqui vinham muitas pessoas das aldeias vizinhas, que enchiam a sala do referido Teatro. Interessante é que, nos intervalos das representações, atuava um quinteto constituído por António dos Santos Tovim (violoncelo), dr. José Oliveira Lima (violino), dr. Viriato de Sá Fragoso (contrabaixo), Adriano da Ressurreição Rodrigues (violino) e com António Fragoso, conhecido compositor, ao piano. O teatro teve na nossa terra uma vida longa, mas intermitente. Felizmente, hoje, parece estar a ganhar um novo fôlego.

Estes curtos respigos da nossa história local, inserem-se num contexto nacional e europeu que convém lembrar. Em Portugal, em 1914, estava-se no quarto ano da república, implantada em 5 de outubro de 1910. Eram tempos de muita polémica, de acirrados combates políticos e cívicos, de muito debate de ideias e de programas, não só entre dirigentes políticos mas também entre os cidadãos. Saliento o amplo debate sobre a educação e sobre a batalha contra o analfabetismo. Os jornais da época dão-nos conta desse ambiente que tendia a considerar a educação como uma das chaves para combater a pobreza e o subdesenvolvimento do nosso país. Por essa altura, abriam-se escolas, mesmo que em instalações precárias, abriam-se concursos para professores e estimulavam-se as famílias a mandarem os seus filhos para a escola. Assim aconteceu também na Pocariça. Saber ler e escrever era considerado fundamental para um cidadão, qualquer que fosse a sua condição social. Por isso mesmo, aqueles eram tempos de grandes esperanças para muita gente.

A fundação da Associação Musical e Recreativa da Pocariça, como disse acima, herdou dos anos anteriores um clima favorável ao desenvolvimento cultural e educacional. Contudo, parece-me que deu um salto qualitativo muito importante. A prática artística e musical, até aí, era exercida predominantemente no âmbito de famílias mais abastadas e com um nível de instrução superior à média. Por isso, esses grupos de artistas amadores, mais ou menos informais, apesar de atuarem para um público vasto – as salas enchiam-se! – eram, na verdade, bastante restritos. Com a Associação Musical e Recreativa da Pocariça, à semelhança do que já vinha acontecendo noutras localidades, designadamente no concelho, o universo dos executantes musicais alargou-se consideravelmente – ‘eram uns trinta e tais rapazes’, como diz a notícia. O maestro ou mestre, como se dizia, era fundamentalmente um professor. Do seu sentido humano e da sua ação pedagógica junto dos ‘aprendizes’ dependia o êxito do coletivo, indubitavelmente aberto a quem quisesse aderir e que assumisse respeitar as regras do grupo. Supomos que nem todos os músicos eram alfabetizados, muitos deles até terão aprendido primeiro a ler as pautas e só depois as letras. A maior parte deles era trabalhador rural ou artesão. Por tudo isto, nunca é de mais reconhecer e louvar o trabalho incessante e contínuo de muita gente, como dirigente, como maestro, como executante ou como colaborador, ao longo desde século de vida associativa.

Quero ainda lembrar o trabalho de bastidores das famílias, designadamente das esposas dos músicos. Desde a confeção e o acondicionamento dos farnéis que eles levavam para as festas, até ao transporte dos instrumentos à cabeça, em caminhadas a pé para as aldeias vizinhas, elas trabalharam, e muito, na sombra. Merecem também todo o nosso reconhecimento.

O contexto europeu da época também não deixou de marcar os primeiros anos destes jovens pioneiros. Em 1914, a Alemanha desencadeou uma guerra que veio a envolver quase todos os países europeus e alguns asiáticos e americanos. Foi a chamada 1.ª Guerra Mundial, em que Portugal veio a participar na sequência duma declaração de guerra que a Alemanha nos fez. Isso é também noticiado nos jornais locais que, sem sombra de dúvida, se colocam ao lado dos aliados – França, Inglaterra, Sérvia, Itália e Bélgica, entre outros. Entretanto, ouviam-se as notícias de mobilizações de jovens e até de reservistas. Imaginamos o ambiente que se viveria por aqui. Muitos partiram para as colónias de África, para a França e para a Flandres, combatendo os alemães que, num artigo de fundo do ‘Ecos de Cantanhede’ são chamados ‘novos bárbaros’ e ‘imperialistas’. Sabemos que alguns pocaricenses, dois, segundo julgo, por lá morreram. Outros voltaram, felizmente, gerando descendentes que se vieram a dedicar à nossa banda. Escolho um para aqui referir, juntando nele todos os outros, mais ou menos esquecidos: o senhor Jorge Teixeira que recentemente nos deixou com os seus 96 anos e uma vivacidade intelectual digna de inveja, apesar da sua condição física muito debilitada. Contou-me, numa das suas sempre interessantes conversas, que, quando o seu pai, o senhor David Teixeira, foi mobilizado para a guerra, ele já ficou gerado na barriga da sua mãe, a Ti Corada. Felizmente, o pai David veio e puderam, então, celebrar em paz o seu casamento, que o ti Jorge acompanhou, já a andar, segundo dizia. Cresceu e foi um dos mais conhecidos saxofonistas desta banda. Nele, é justo homenagear todos os outros.

A terminar, que esta conversa já vai longa, quero deixar dois apelos. Um a todos vós, mais novos e mais velhos, que do fundo do coração reconheçam o esforço e a dedicação de, pelo menos, quatro gerações que contribuíram para a vida centenária e para o êxito artístico desta Associação. Este é um passo para que, na atualidade, possamos também reconhecer o trabalho e o empenhamento de todos os que connosco partilham esta aventura. E são muitos e muitas. Sem os esquecer a todos, permito-me salientar o coletivo da Direção que, há vários mandatos, persiste em dedicar o seu tempo e as suas energias a esta nobre causa. Na pessoa do senhor António José Leitão, presidente da Direção, saúdo e partilho convosco o reconhecimento a todos os dirigentes que se têm dedicado ao máximo, não envergonhando os nossos avós.

Um segundo apelo, aos mais jovens. Neste ano de comemorações sugiro que, com a ajuda de pais e avós, aproveitem as diversas iniciativas do nosso programa para que possam perceber melhor como era a vida pessoal, familiar, profissional e artística dos que nos antecederam. Seguramente, em condições muito piores do que as nossas, souberam trazer até nós este testemunho tão valioso. Nestes tempos, em que muitos responsáveis pela condução da nossa vida coletiva querem minimizar e até fazer esquecer os contributos, em todos os aspetos da vida social, que os mais velhos deram e continuam a dar para a nossa sociedade de hoje – por vezes, até se insinua que, por o serem, até serão responsáveis pela crise que vivemos – será bonito que cada um e que cada uma de vós recolha o máximo de elementos biográficos de antepassados vossos que aqui deixaram um pouco da sua vida. Com esses dados, certamente poderemos fazer uma história mais completa da Associação Musical da Pocariça, incluindo nela todos ou quase todos aqueles que não figuram nos jornais ou nos livros que chegaram até nós. É que, efetivamente, a partir das memórias das famílias que temos o dever de recuperar, todos e todas têm que ser lembrados, tendo direito a um lugar na história que ficar para contar aos que hão de seguir-se a nós.

Feliz e produtivo centenário, Associação Musical da Pocariça! Uma vida longa e cheia de sucesso!

Pocariça, 5 de janeiro de 2014
José João Lucas